Oração por Marilyn Monroe

Postado por SaraEllen , 02 dezembro 2010 14:13

Senhor,
recebe esta moça conhecida em toda a terra com o nome de
Marilyn Monroe
ainda que esse não era seu verdadeiro nome
(mas Tu conheces seu verdadeiro nome, o da pequena órfã
violada aos nove anos
e a empregadinha de loja que aos 16 quis se matar)
e agora se apresenta ante Ti sem nenhuma maquiagem
sem seu Assessor de Imprensa
sem fotógrafos e sem dar autógrafos
sozinha como um astronauta frente à noite espacial.
Ela sonhou, quando criança, que estava desnuda em uma igreja
(segundo conta o Time)
diante de uma multidão prostrada, com as cabeças no solo
e tinha que caminhar na ponta dos pés para não pisar as cabeças.
Tu conheces nossos sonhos melhor que os psiquiatras.
Igreja, casa, gruta, são a segurança do seio materno,
mas também mais que isso…
As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na obscuridade sob o jorro de luz).
Mas o templo não são os estúdios da 20th Century-Fox.
O templo – de mármore e ouro – é o templo de seu corpo
em que está o Filho do Homem com um látego na mão
expulsando os mercadores da 20th Century-Fox
que fizeram de Tua casa de oração um covil de ladrões.
Senhor,
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade
Tu não culparás tão somente uma empregadinha de loja.
Que como toda empregadinha de loja sonhou ser estrela de cinema.
E seu sonho foi realidade (mas como a realidade do tecnicolor).
Ela não fez senão atuar segundo o roteiro que lhe demos
– o de nossas próprias vidas – e era um script absurdo.
Perdoa-a, Senhor, e perdoe-nos a nós
por nossa 20th Century
por esta Colossal Super-Produção em que todos trabalhamos.
Ela tinha fome de amor e lhe oferecemos tranqüilizantes
para a tristeza de não ser santos
foi-lhe recomendada a Psicanálise.
Recorda, Senhor, seu crescente pavor à câmera
e o ódio à maquilagem – insistindo em maquilar-se em cada cena –
e como se foi fazendo maior o horror
e maior a impontualidade aos estúdios.
Como toda empregadinha de loja
sonhou ser estrela de cinema.
E sua vida foi irreal como um sonho que um psiquiatra interpreta e arquiva.
Seus romances foram um beijo com os olhos fechados.
Quando se abrem os olhos,
se descobre que foi sob refletores
e apagam os refletores!
e desmontam as duas paredes do aposento (era um set cinematográfico)
enquanto o Diretor se distancia com sua caderneta de anotações
porque a cena já foi tomada.
Ou como uma viagem em iate, um beijo em Singapura, um baile no Rio
a recepção na mansão do Duque e da Duquesa de Windsor
vistos na salinha do apartamento miserável.
O filme terminou sem o beijo final.
Encontraram-na morta em sua cama com a mão no telefone.
E os detetives não souberam a quem ia chamar.
Foi como alguém que discou o número da única voz amiga
e ouve somente a voz de uma gravação que lhe diz: WRONG NUMBER.
Ou como alguém que, ferido por gangsters,
estica a mão a um telefone desconectado.
Senhor,
quem quer que tenha sido quem ela ia chamar
e não chamou (e talvez era ninguém
ou era Alguém cujo número não está no guia telefônico de Los Angeles),
atende Tu o telefone!


Ernesto Cardenal (sacerdote e poeta nicaraguense)